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Plano de Manejo de Unidade Conservação (UC) e Oficina Participativa

O caso da RPPN Patrimônio Natural Cachoeira do Tombador.

Uma Unidade de Conservação (UC) é um bem ambiental. Em razão dos atributos de sua localização, exuberância de sua vegetação, ou da presença de uma espécie rara da fauna, ou ainda pelos encantos da sua paisagem, uma UC torna-se um território no qual a presença de nós – cidadãos comuns, turistas ou pesquisadores – passa a ter restrições. Restrições essas que, no futuro, serão revertidas em benefício do meio ambiente, e por extensão, jogarão a nosso favor.

Neste post, você irá saber um pouco mais sobre o instrumento de gestão de uma Reserva Natural do Patrimônio Natural, comumente tratada por RPPN.
Uma RPPN é uma UC de propriedade privada, segundo a lei 9.985/2000 do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

Qual o instrumento que define os usos permitidos e não permitidos em uma UC?

O documento que define os usos em uma UC é o Plano de Manejo. Ele poderia ser comparado, salvo as devidas proporções, com um Plano Diretor de uma cidade. O Plano de Manejo delimita os usos permitidos e suas respectivas zonas, dentro do território da UC.

Por exemplo: Poderá haver pesca naquele rio que passa na UC? Poderá haver extração de frutos? Toda a área da UC poderá ser visitada em qualquer época? Poderá ser levada, como souvenir, aquela pedrinha tão diferente? Onde é a melhor área para pesquisa dos hábitos de uma ave que nidifica ali? Estas questões precisam ficar claras no Plano de Manejo.
Quem elabora o Plano de Manejo de uma RPPN?

No caso de uma RPPN, a elaboração do Plano de Manejo é uma atribuição do dono ou dona da Reserva.

Cabe a ele/ela definir os usos – já previamente identificados no próprio ato jurídico de criação da RPPN – após a realização do diagnóstico ambiental da área. O diagnóstico é feito através de estudos em livros e artigos e também através de uma expedição de especialistas à RPPN.

Quais as fragilidades e potencialidades da UC?

Através de campo realizado por especialistas no relevo, na hidrografia, na geologia, e na flora e fauna, são analisadas as fragilidades do meio físico e biótico da UC. Por exemplo, são identificados:

  1. as áreas sujeitas a deslizamento de terra (erosão);
  2. os espaços já degradados onde o solo está careca ou tomado pela braquiária;
  3. os caminhos que oferecem risco ao visitante; e, portanto, terão acesso proibido.

Também são identificadas as potencialidades da UC, sob a ótica do meio físico e biótico. Por exemplo, são definidos:

  1. os lugares adequados para trilhas ecológicas;
  2. os melhores pontos para instalação de mirantes estratégicos para aquela foto inesquecível;
  3. o trecho da serra especialmente talhado para uma escalada no final de semana;
  4. as áreas que oferecem especial ambientação para pesquisas de estudiosos.
    O diagnóstico ambiental é feito apenas na perspectiva do meio físico e biótico?

Numa percepção espontânea, todos nós provavelmente associamos uma UC a elementos do meio físico (serra, rio, caverna) e da fauna e flora. Mas, a interface desses meios ditos naturais com a história e o patrimônio cultural não pode ser ignorada na elaboração de um Plano de Manejo. Ou seja, o meio antrópico, aquele que se interessa pela marca do humano no espaço geográfico, é vertente incidente e até mesmo surpreendente no diagnóstico ambiental.

Exemplo recente da percepção da importância da “memória do lugar” na elaboração de um Plano de Manejo aconteceu em Mato Grosso, na RPPN Patrimônio Natural Cachoeira do Tombador, no município de Nobres. Trata-se de uma propriedade da empresa Votorantim Cimentos S.A.

Como os elementos da história e do patrimônio cultural se inseriram no Plano de Manejo?

Ao iniciar os estudos para elaboração do Plano de Manejo, a consultoria que realizaria o estudo já sabia que a Serra do Tombador – de onde cai a bela cachoeira – havia sido cenário de acontecimento que havíamos estudado na escola: a Coluna Prestes, liderada pelo então tenente rebelde Luís Carlos Prestes, em 1926.

E também de acontecimento que deveríamos ter estudado na escola: a Expedição Rondon-Roosevelt. Esta excursão, em 1913/1914, buscava o rio da Dúvida, rio lendário, hoje batizado rio Roosevelt, em homenagem ao ex-presidente americano, Theodore Roosevelt. Aventura contada em livros e filme.

No campo realizado, a equipe da consultoria pôde visitar vestígios de fatos históricos locais, como:

  1. as ruínas da Estrada Real, por onde passavam tropas carregadas de mercadorias e diamantes, no século XVIII;
  2. as ruínas da barricada das lutas de 1901 entre partidos oponentes;
  3. as antigas edificações de uma usina hidrelétrica dos anos 40, construída pela prefeita de Rosário do Oeste. Naquela década, Nobres era distrito de Rosário do Oeste.

O que não se sabia era da importância desses fatos históricos e desses bens culturais para a memória do lugar no tempo presente.

Oficinas Participativas, como instrumento de escuta da comunidade
Para debater a elaboração do Plano de Manejo, a Votorantim Cimentos – unidade de Nobres convidou, em outubro/2017, um grupo de formadores de opinião do município, para uma Oficina Participativa. Não era uma exigência legal. Havia apenas o interesse da empresa em dialogar com os futuros usuários daquele patrimônio natural.

Aderiram ao convite autoridades locais, como prefeito de Nobres e secretários do meio ambiente e de turismo, assim como representantes de organizações locais, e ainda da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA/MT). Através da técnica de mapa mental, seguida de discussões de grupo focal, ficou nítido o arraigado apego do grupo à Serra do Tombador e a sua cachoeira. Constatou-se que ali é um lugar de memória afetiva e de pertencimento. Ali se unem memórias pessoais e memórias da nação – conhecimentos transmitidos de uma geração a outra.

A partir desse entendimento, a trilha interpretativa proposta pelo Plano de Manejo passou a dar ênfase também aos vestígios da história ali acontecida. O Programa de Educação Ambiental se ampliou para Programa de Educação Ambiental e Patrimonial.

A experiência das oficinas participativas fortaleceu o Plano de Manejo e lhe deu vida.

Um Plano de Manejo construído com transparência e confiança entre o Poder Público, a comunidade e o empreendedor por certo não ficará no papel. Há grandes chances de que todos se apropriem daquela UC como um lugar de convergência de lazer, memória, e cuidado com o meio ambiente. A RPPN será de fato uma Reserva Particular do Patrimônio Natural.
E é sempre bom lembrar que o patrimônio é de todos nós!